domingo, 16 de setembro de 2007

O anatocismo e a transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.

Nada existe de errado em se cobrar remuneração pelo uso do dinheiro, chamados juros remuneratórios, quando se faz um empréstimo bancário ou se financia a compra de algum bem. O dinheiro, como uma mercadoria, quando em posse de outrem, deve ser remunerado, como se locado estivesse sendo. No momento em que a instituição financeira deixa de poder usar dinheiro seu, e o entrega a outra pessoa para determinado fim, justo se torna o pagamento, na forma mensal, de um valor que remunere o capital.


Muito embora seja lícita a cobrança de um ‘aluguel’ pelo dinheiro, a legislação entende que os referidos juros remuneratórios não podem se acumular ao principal de forma imediata. Os empréstimos e a cobrança de juros mensais é atividade lícita, e que devem estar vinculadas a certos parâmetros, e, um deles, é a vedação à capitalização mensal dos juros, ou a cobrança de ‘juros sobre juros’ na forma mensal.


Outra confusão que se faz, em regra, é a mistura de dois institutos absolutamente distintos: um, o valor da taxa de juros, que não pode ser abusiva. Apesar de não existir limitação expressa na lei, é entendimento de que o valor percentual dos juros deva ser correspondente às regras de mercado, sendo vedado, inclusive pelo Código de Defesa do Consumidor, a aplicação de taxas que possam ser consideradas lesivas.


Outra coisa é o chamado anatocismo, ou seja, a capitalização dos juros. Há expressa proibição legal para a aplicação desse instituto, embora os bancos ignorem tal vedação, aplicando o anatocismo em todas as suas atividades de empréstimo. Em razão disso, os bancos, financeiras e demais entidades que compõe o sistema financeiro nacional são os principais responsáveis por uma irregular transferência de renda, que atinge, sobretudo, as camadas mais pobres da população.


O governo tem como uma de suas metas, talvez ingênua, a de ‘dar renda ao trabalhador’, a fim de que ele possa decidir a própria vida, gastando como bem entender. Acredita-se que um governo responsável deva propiciar aumentos de renda, sim, mas com monitoramento do destino de tais despesas. Investimentos em educação, saúde, moradia, equipamentos domésticos e até mesmo lazer, são plenamente justificáveis. O que não se pode permitir é a transferência da renda, que foi duramente conseguida pelo trabalhador – lembrando sempre da questão fiscal que consome mais de 50% de seus proventos – venha a ser canalizada diretamente para a camada mais rica da sociedade: os banqueiros.


Qualquer cidadão, pobre ou da classe média, esse que necessita de crédito para poder consumir, ou, até mesmo, viver as comezinhas carências básicas do dia-a-dia, quando vai à uma instituição financeira em busca de dinheiro, apenas busca saber o valor da taxa de juros, mas desconhece a brutal ilegalidade praticada à luz das autoridades. Sabemos todos que o cidadão comum sequer questiona a taxa de juros praticada, apenas deseja saber ‘o valor da prestação de seu carnê’, quanto mais pode conhecer de palavra tão pouco mencionada: anatocismo.


Nem mesmo pessoas de nível superior conhecem a mecânica dos juros capitalizados, o verdadeiro motor capitalista, este que faz brotar dinheiro do chão. E tal instituto – anatocismo – é vedado por lei e jurisprudência pacífica do STF, em que pese a contribuição do ex-ministro Pedro Malan, ao editar medida provisória em 2000 (antes de sair do cargo para ser superintendente de grande instituição bancária – ou seja, a serviço do banqueiro) ‘legalizando a capitalização em periodicidade inferior à anual’.


Tal MP, lamentavelmente, está sendo acatada com força de lei ordinária pelo STJ, para os contratos bancários firmados após março de 2000, embora, para nossa felicidade, somente nas avenças onde esteja ‘expressamente pactuado’ tal instituto. Por sorte, os bancos não fazem incluir nos seus contratos a prática do anatocismo, de forma expressa, sendo difícil o banco provar que combinou tal ilegalidade.


FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

O anatocismo ilegal, que significa a capitalização de juros em período inferior à anual, é expressamente vedado em operações financeiras, inclusive nos contratos do Sistema Financeiro Habitacional, e encontra vedação em diversos textos legais.


Em se tratando de matéria financeira, a primeira proibição legal se deu com a entrada em vigor da chamada Lei da Usura, ainda no tempo de Vargas, o Decreto 22.626 de 07 de abril de 1933. Em tal texto já se previa, em seu artigo 4º, que "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano"[1].


Verifica-se que, mesmo em 1933, talvez motivado pela quebra da bolsa de Nova Iorque, que levou à bancarrota produtores de café brasileiros, e boa parte da elite, o governo Vargas já pressentia o que viria a se ver no Brasil: a imoralidade do sistema bancário nacional. Muito provavelmente os juros cobrados pelos credores deram margem à Lei da Usura, quando os mais fortes acabam por vilipendiar aqueles em dificuldade.


Posteriormente, em razão da mantença, por parte dos banqueiros na ilegal cobrança, em 1963, a partir de diversos julgados precedentes, o STF editou a Súmula 121, que veda, expressamente a capitalização de juros, ainda que convencionada[2].


Com a reforma do Sistema Financeiro Nacional, em 1964, a lei 4595/64, os bancos começaram a desejar a alteração da interpretação da Lei da Usura, de 1933, alegando que a nova lei de matéria financeira teria permitido a capitalização de juros, pois os bancos, como entidades especiais, estariam livres de tal proibição.

Em 1976, também partindo de vários precedentes, o STF editou a Súmula 596, que disciplinou a questão, impossibilitando a aplicação da Lei da Usura nos financiamentos bancários[3].


O texto de tal enunciado deu forte margem de interpretação para que os bancos pudessem praticar o anatocismo livremente, embora o Código Civil de 1916 mantivesse tal proibição. Entretanto, diante da dúvida deixada pela edição de tal Súmula, a jurisprudência voltou a se manifestar, em diversas ocasiões, mantendo a proibição estatuída tanto na Lei da Usura, quanto na Súmula 121.


Por força do destino, questionamentos a esse respeito foram feitos no Excelso Pretório que terminou por entender que a Súmula 596 não exclui a proibição caracterizada no enunciado da Súmula 121, inclusive em relação a instituições financeiras, pois referem-se (a Súmula 596) às "taxas de juros e aos outros encargos", mas não ao anatocismo (cobrança de juros sobre juros).


Esse foi o entendimento do RE 100.336, que diz que "na conformidade dos julgados que informam a Súmula 121, a proibição do anatocismo constitui ius cogens. Da proibição posta no enunciado não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121, na espécie"[4].


No STJ o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, firmou entendimento de que a lei do Sistema Financeiro Nacional não havia revogado o art. 4º. da Lei da Usura, assim como manteve a mesma vedação constante da Súmula 121 do STF."[5].


O código civil de 2002, em seu artigo 591[6] limita os juros nos empréstimos pessoais (aqueles que entre pessoas, excluindo as empresas filiadas ao Sistema Financeiro Nacional), em 1%, e expressamente declara que a capitalização será permitida na forma anual.


A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual é atividade proibida em diversos países. Em Portugal, o Código Civil estabelece em seu artigo 560 a proibição da contagem de juros sobre juros[7].


No Código Civil Italiano, assunto semelhante[8], com permissão para se capitalizar em seis meses. O Código Civil Francês tem a mesma interpretação, limitando a capitalização apenas na forma anual[9].


Ou seja, os juros contados e calculados – à parte – podem ser incorporados ao saldo devedor ao final de um ano, para, aí sim, passarem a fazer parte da conta para o cálculo de novos juros. Os bancos, entretanto, debitam os juros até mesmo na forma diária, potencializando e criando progressão geométrica aos valores devidos.


A legislação e a jurisprudência sempre se mantiveram firma na posição de que o anatocismo se constitui vedação legal, embora as instituições financeiras mantenham a decisão de ignorar a legislação e a proibição pública.


A nefasta prática do anatocismo é feita sem pudor algum, insistindo os bancos em pretendê-la correta, o que não é.


No final de sua gestão à frente do Ministério da Fazenda, Pedro Malan, desejando brindar seus futuros patrões, editou a Medida Provisória 1963/00, descabida e injustificada, em uma reedição e de maneira estratégica, onde fez inserir um artigo que permite a ‘capitalização em periodicidade inferior à anual’[10].


Tal medida foi reeditada sob o número 2170/2001, sendo hoje a que vige.


Como é de conhecimento de todos, a Medida Provisória tem status de Lei Ordinária, ocorrendo que tal artigo tenha passado a fazer parte do ordenamento jurídico, em que pese a grita geral no país.A referida MP sofre ataque no STF de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) de número 2316, proposta pelo Partido Liberal, tendo já recebido voto favorável, pela inconstitucionalidade do referido art. 5º., do relator, Ministro Sidney Sanches[11].


Houve um segundo voto, do senhor Ministro Carlos Velloso, que seguiu o voto do senhor relator (Sidney Sanches), ou seja, pela concessão cautelar para a suspensão dos efeitos da referida MP[12].


A ADI 2316 encontra-se em curso, aguardando-se o julgamento da cautelar, suspendendo os efeitos da referida MP, para, ao final, julgar definitivamente se o art. é ou não inconstitucional.


Enquanto a referida MP estiver sendo discutida, em sede de ADI, o STJ, tribunal infraconstitucional vem decidindo pela legalidade da referida MP, muito embora tenha, por sorte, se manifestado de que tal permissão somente seria válida para os contratos firmados após março de 2000, e, ainda assim, desde que previamente e expressamente pactuado. É uma das mais decisões, no voto do Ministro Helio Quaglia Barbosa, do STJ, no REsp 895.424, que alerta para a questão da pactuação expressa[13].


Naquele acórdão, entende o Ministro que a capitalização em periodicidade inferior à anual não pode ser presumida como contratada, mas deve ser expressamente pactuada e exemplificada ao cliente bancário.


Entendo que dificilmente os bancos redijam contratos muito claros e que estipulem a capitalização dos juros, até mesmo porque não se sabe o destino da referida MP 2170, pois corre o risco de sair do ordenamento jurídico, tornando-se, declaradamente, instituto ilegal.


Assim, percebe-se que o anatocismo sempre foi vedado, estando, hoje, para contratos posteriores ao ano de 2000, ‘legalizado’, desde que pactuado, correndo sério risco de voltar à clandestinidade, após o julgamento final da MP 2170.


Mas, os bancos, mesmo com tal declaração de inconstitucionalidade e com a mais cristalina certeza, permanecerão na sua conduta ilícita de capitalizar os juros até mesmo na forma diária, lesando a sociedade brasileira.


Os lucros dos bancos são claros em demonstrar que ‘há algo de poder no reino’.


DA DEMONSTRAÇÃO CONTÁBIL DA LESÃO

Para fins de exemplificar o tamanho da lesão causada pelos bancos com a aplicação do anatocismo, demonstro, em simples prova contábil, duas situações distintas, todas calculadas em período de apenas um ano:


A primeira, com capitalização mensal, exatamente como os bancos e demais entidades do SFN fazem diuturnamente, ao arrepio da lei e das instituições públicas.


A segunda, em planilha onde são capitalizados os juros na forma legal, anual – acumulam-se os juros, que somente entram na conta para compor o saldo ao final de 365 dias.


Verifica-se que não é o tamanho da taxa de juros, mas a sua capitalização mensal, que onera e agrava, em progressão geométrica, os saldos negativos em conta-corrente, criando uma ciranda de especulação impossível de ser superada.


A título de exemplificação demonstrarei na forma aritmética, de que maneira os bancos aplicam o anatocismo, capitalizando os juros na forma mensal, ao contrário do que determina a lei (capitalização anual), nas seguintes planilhas comparativas, onde foram considerados saldos negativos iniciais de R$ 8.000,00, com uma taxa de juros de 12% ao mês.


Como exemplo, vamos imaginar que uma pessoa esteja ‘negativa’ no cheque especial em R$8.000,00 (oito mil reais) e não faça nenhum depósito ou pagamento durante o ano todo.


DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ANATOCISMO

TAXA DE JUROS: 12% AO MÊS




FORMA DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS: MENSAL (DEFESO EM LEI)

DATA

HISTÓRICO

CRÉDITO

DÉBITO

JUROS

SALDO







01/jan

SALDO INICIAL


(8.000,00)


(8.000,00)

01/fev

JUROS



(960,00)

(8.960,00)

01/mar

JUROS



(1.075,20)

(10.035,20)

01/abr

JUROS



(1.204,22)

(11.239,42)

01/mai

JUROS



(1.348,73)

(12.588,15)

01/jun

JUROS



(1.510,58)

(14.098,73)

01/jul

JUROS



(1.691,85)

(15.790,58)

01/ago

JUROS



(1.894,87)

(17.685,45)

01/set

JUROS



(2.122,25)

(19.807,71)

01/out

JUROS



(2.376,92)

(22.184,63)

01/nov

JUROS



(2.662,16)

(24.846,79)

01/dez

JUROS



(2.981,61)

(27.828,40)

01/jan

JUROS



(3.339,41)

(31.167,81)


SALDO FINAL




(31.167,81)


JUROS PAGOS


(23.167,81)


No caso acima demonstrado, da maneira como os bancos cobram, o débito será, ao final de um ano, de R$ 23.167,81.


Agora, a mesma planilha, com um saldo inicial de R$ 8.000,00 negativos, com a aplicação da mesma taxa de juros de 12% ao mês, com CAPITALIZAÇÃO ANUAL dos juros, a forma correta e legal:


DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ANATOCISMO

TAXA DE JUROS: 12% AO MÊS




FORMA DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS: ANUAL (LEGAL)

DATA

HISTÓRICO

CRÉDITO

DÉBITO

JUROS

SALDO







01/jan

SALDO INICIAL


(8.000,00)


(8.000,00)

01/fev




(960,00)

(8.000,00)

01/mar




(960,00)

(8.000,00)

01/abr




(960,00)

(8.000,00)

01/mai




(960,00)

(8.000,00)

01/jun




(960,00)

(8.000,00)

01/jul




(960,00)

(8.000,00)

01/ago




(960,00)

(8.000,00)

01/set




(960,00)

(8.000,00)

01/out




(960,00)

(8.000,00)

01/nov




(960,00)

(8.000,00)

01/dez




(960,00)

(8.000,00)

01/jan

capitalização anual



(11.520,00)

(19.520,00)


SALDO FINAL




(19.520,00)


JUROS PAGOS


(11.520,00)











Verifica-se desta pequena e didática exemplificação, que um saldo de R$8.000,00 negativos, sem nenhuma outra movimentação de crédito ou débito, ao longo de um ano, encontra uma diferença de R$11.674,81 (onze mil seiscentos e setenta e quatro reais), ou seja, praticamente O DOBRO DOS JUROS, quando considerada a correta aplicação, ou seja, capitalização anual dos juros.


Isso, sem mencionar o fato de que o saldo inicial aberto no segundo ano será, quando capitalizado mensalmente, de menos R$ 31 mil reais, contra menos R$ 19 mil, do cálculo que apresenta a capitalização legal, anual.


Em uma futura aplicação, ou seja, nos próximos meses e anos, tal saldo estará EXTREMAMENTE AVILTADO E ILEGALMENTE CONSTITUÍDO.


Em resumo: a capitalização de juros mensal cobra juros de saldos já somados aos juros, sempre de forma geométrica, o que gera a demonstrada lesão.


Por fim, vamos imaginar, apenas para definitiva demonstração da gravidade do anatocismo, a mesma conta corrente, AGORA COM DOIS ANOS DE CAPITALIZAÇÃO MENSAL de juros, para o mesmo saldo inicial de R$ 8.000,00, negativos, sem mais nenhuma movimentação:


DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ANATOCISMO

TAXA DE JUROS: 12% AO MÊS




FORMA DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS: MENSAL (DEFESA EM LEI)

DATA

HISTÓRICO

CRÉDITO

DÉBITO

JUROS

SALDO

01/jan

SALDO INICIAL


(8.000,00)


(8.000,00)

01/fev

JUROS



(960,00)

(8.960,00)

01/mar

JUROS



(1.075,20)

(10.035,20)

01/abr

JUROS



(1.204,22)

(11.239,42)

01/mai

JUROS



(1.348,73)

(12.588,15)

01/jun

JUROS



(1.510,58)

(14.098,73)

01/jul

JUROS



(1.691,85)

(15.790,58)

01/ago

JUROS



(1.894,87)

(17.685,45)

01/set

JUROS



(2.122,25)

(19.807,71)

01/out

JUROS



(2.376,92)

(22.184,63)

01/nov

JUROS



(2.662,16)

(24.846,79)

01/dez

JUROS



(2.981,61)

(27.828,40)

01/jan

JUROS



(3.339,41)

(31.167,81)

01/fev

JUROS



(3.740,14)

(34.907,94)

01/mar

JUROS



(4.188,95)

(39.096,90)

01/abr

JUROS



(4.691,63)

(43.788,53)

01/mai

JUROS



(5.254,62)

(49.043,15)

01/jun

JUROS



(5.885,18)

(54.928,33)

01/jul

JUROS



(6.591,40)

(61.519,73)

01/ago

JUROS



(7.382,37)

(68.902,09)

01/set

JUROS



(8.268,25)

(77.170,34)

01/out

JUROS



(9.260,44)

(86.430,79)

01/nov

JUROS



(10.371,69)

(96.802,48)

01/dez

JUROS



(11.616,30)

(108.418,78)

01/jan

JUROS



(13.010,25)

(121.429,03)


SALDO FINAL




(121.429,03)


JUROS PAGOS


(113.429,03)


Observa-se que os juros vão crescendo em progressão geométrica, pois são calculados sempre com base nos últimos saldos, que já foram capitalizados, de forma sucessiva e ilegal;

Comparamos, agora, com o mesmo saldo inicial de R$ 8.000,00 negativos, mas com a correta capitalização anual, na planilha abaixo:

DEMONSTRAÇÃO DA APLICAÇÃO DO ANATOCISMO

TAXA DE JUROS: 12% AO MÊS




FORMA DE CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS: ANUAL (LEGAL)

DATA

HISTÓRICO

CRÉDITO

DÉBITO

JUROS

SALDO

01/jan

SALDO INICIAL


(8.000,00)


(8.000,00)

01/fev




(960,00)

(8.000,00)

01/mar




(960,00)

(8.000,00)

01/abr




(960,00)

(8.000,00)

01/mai




(960,00)

(8.000,00)

01/jun




(960,00)

(8.000,00)

01/jul




(960,00)

(8.000,00)

01/ago




(960,00)

(8.000,00)

01/set




(960,00)

(8.000,00)

01/out




(960,00)

(8.000,00)

01/nov




(960,00)

(8.000,00)

01/dez




(960,00)

(8.000,00)

01/jan

capitalização anual



(11.520,00)

(19.520,00)

01/fev




(2.342,40)

(19.520,00)

01/mar




(2.342,40)

(19.520,00)

01/abr




(2.342,40)

(19.520,00)

01/mai




(2.342,40)

(19.520,00)

01/jun




(2.342,40)

(19.520,00)

01/jul




(2.342,40)

(19.520,00)

01/ago




(2.342,40)

(19.520,00)

01/set




(2.342,40)

(19.520,00)

01/out




(2.342,40)

(19.520,00)

01/nov




(2.342,40)

(19.520,00)

01/dez




(2.342,40)

(19.520,00)

01/jan

capitalização anual



(25.766,40)

(45.286,40)


SALDO FINAL




(45.286,40)


JUROS PAGOS


(37.286,40)











Ou seja, o saldo na conta em que os juros foram capitalizados mês a mês é de R$ 121.429,03, devedor.

Na conta com a correta capitalização anual, legal, o saldo encontrado é de R$ 45.286,40, devedor.


Uma diferença da ordem de SETENTA E SEIS MIL REAIS, isto em apenas dois anos, observando-se, claramente, a PROGRESSÃO GEOMÉTRICA, pois são juros TRÊS VEZES MAIOR, num saldo negativo multiplicado.


São, desta vez, R$ 37 mil contra R$ 113 mil reais de juros cobrados.


DA INÉRCIA DAS AUTORIDADES PÚBLICAS

As autoridades da república sabem muito bem sobre os fatos acima narrados e devidamente demonstrados. Trata-se de prática nefasta e que causa lesão em matéria de ordem pública, quando deveríamos ter um Ministério Público do consumidor aplicando multas exemplares, a fim de que as entidades do Sistema Financeiro Nacional não praticassem o anatocismo.


As reclamações são sempre feitas em mínima escala, valendo a máxima de que se torna vantajosa a prática ilegal, pois aqueles que demandam em busca de seus direitos são ínfima parcela dos lesados.


No Brasil, infelizmente, para os bancos, vale à pena causar a lesão em efeito erga omnes, pois as manifestações de insatisfação são de pequena monta, prevalecendo a relação custo-benefício excelente para o sistema financeiro.


DA CONCLUSÃO

Este trabalho não somente tem o objetivo de explicar a questão da incidência do anatocismo, mas, principalmente, de demonstrar o grave problema que decorre da amplitude do crédito popular no Brasil. O dinheiro mal emprestado, sem planejamento estatal algum, acaba por destruir parte importante da renda do trabalhador, que é canalizada para os grandes bancos, inclusive multinacionais.


O crédito para baixa renda, fato que está sendo multiplicado em pequenas lojas, quiosques, propaganda na televisão, no jornal, como também o chamado crédito consignado, praga nacional criada para lesar, desta vez, o pobre do aposentado.


Quase sempre o destino de tais empréstimos pessoais é drenado no consumo de itens supérfluos, sem valor agregado algum, condição criada pelo capitalismo desenfreado e na idéia da venda de imagens de sucesso e poder. O cidadão de baixa renda imagina ter melhorado de vida quando adquire um aparelho de celular, compra um móvel novo, compra um tênis de marca. Pura ilusão que em nada contribui para a melhoria efetiva de sua qualidade de vida.


A renda obtida com o suor do trabalhador deveria ser destinada a aquisição de bens que, efetivamente, agregassem valor à qualidade de vida e seu progresso pessoal. Investimento, ao invés de consumo desastroso. Muito pior do que gastar mal é gastar sem poder, endividando-se e comprometendo parte significativa da renda no pagamento de prestações onde se embutem juros estratosféricos, e, sempre capitalizados ilicitamente.


As chamadas financeiras populares, recém adquiridas pelos grandes bancos, novo filão do mercado, aplicam taxas de juros que ultrapassam a barreira da ilegalidade, verdadeiro caso de polícia, que deveria estar sendo tratado nas varas criminais, não em ambientes civis ou de consumidor.


Se tem notícia de que as taxas mensais chegam à 20% ao mês, em alguns casos, considerando-se que cobram as chamadas TAC (Taxas de Abertura de Crédito) dentre outras abusividades. E nas lojas de varejo, hoje transmutadas em bancos comerciais, seus verdadeiros core business, a situação não é diferente, sendo única preocupação do cliente o valor da prestação, para saber se pode ou não pagá-la. O valor dos juros, se está capitalizado ou não, isso não importa. E o pobre do coitado paga três armários, três televisores, três geladeiras, quando leva para casa apenas um destes produtos.


A renda do povo brasileiro está sendo migrada de forma criminosa para os banqueiros, em verdadeira estrada de mão única que a tira do mais pobre (assim como da classe média) e a entrega ao mais rico, diretamente.


Marcelo Alvarez Rocha Meirelles

Advogado no Rio de Janeiro

www.rochameirelles.com.br



[1] Art. 4º : “É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano.”


[2] Sumula 121 do STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.


[3] Súmula nº 596: “AS DISPOSIÇÕES DO DECRETO 22626/1933 NÃO SE APLICAM ÀS TAXAS DE JUROS E AOS OUTROS ENCARGOS COBRADOS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÕES PÚBLICAS OU PRIVADAS, QUE INTEGRAM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.”


[4] Ministro Néri da Silveira, 1984:JUROS. CAPITALIZAÇÃO. A CAPITALIZAÇÃO SEMESTRAL DE JUROS, AO INVES DA ANUAL, SÓ E PERMITIDA NAS OPERAÇÕES REGIDAS POR LEIS OU NORMAS ESPECIAIS, QUE EXPRESSAMENTE O AUTORIZEM. TAL PERMISSAO NÃO RESULTA DO ART. 31, DA LEI N. 4595, DE 1964. DECRETO N. 22.626/1933, ART. 4.. ANATOCISMO: SUA PROIBIÇÃO. IUS COGENS. SÚMULA 121. DESSA PROIBIÇÃO NÃO ESTAO EXCLUIDAS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. A SÚMULA 596 NÃO AFASTA A APLICAÇÃO DA SÚMULA 121. EXEMPLOS DE LEIS ESPECIFICAS, QUANTO A CAPITALIZAÇÃO SEMESTRAL, INAPLICAVEIS A ESPÉCIE. PRECEDENTES DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, POR NEGATIVA DE VIGENCIA DO ART. 4. DO DECRETO N. 22626/1933, E CONTRARIEDADE DO ACÓRDÃO COM A SÚMULA 121, DANDO-SE-LHE PROVIMENTO.”


[5] Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, 1989: “DIREITO PRIVADO. JUROS. ANATOCISMO. VEDAÇÃO INCIDENTE TAMBEM SOBRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. EXEGESE DO ENUNCIADO N. 121, EM FACE DO N. 596, AMBOS DA SUMULA STF. PRECEDENTES DA EXCELSA CORTE. - A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS (JUROS DE JUROS) E VEDADA PELO NOSSO DIREITO, MESMO QUANDO EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA, NÃO TENDO SIDO REVOGADA A REGRA DO ART. 4 DO DECRETO N. 22.626/33 PELA LEI N. 4.595/64. O ANATOCISMO, REPUDIADO PELO VERBETE N. 121 DA SUMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO GUARDA RELAÇÃO COM O ENUNCIADO N. 596 DA MESMA SUMULA.”


[6] Código Civil Brasileiro, art. 591: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.”


[7] Código Civil Português, art. 560 –“ Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.”


[8] Código Civil Italiano, art. 1282 – “Na falta de uso contrário, os juros vencidos só podem produzir juros do dia do pedido judicial, ou por efeito de convenção posterior ao seu vencimento, e sempre que trate de juros devidos pelo menos por 6 meses.”


[9] Código Civil Francês, art. 1154 – “Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer por um pedido judicial, quer por uma convenção especial, contando que, seja no pedido, seja na convenção, se trate de juros devidos, pelo menos, por um ano inteiro.”


[10] Art. 5º : “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.”


[11] STF - ADI 2316: “CARLOS VELLOSO. DECISÃO : APÓS O VOTO DO SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES, RELATOR, SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO ARTIGO 5º, CABEÇA E PARÁGRAFO ÚNICO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36, DE 23 DE AGOSTO DE 2001, PEDIU VISTA O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO. AUSENTE, JUSTIFICADAMENTE, NESTE JULGAMENTO, O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA. PRESIDÊNCIA DO SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO. PLENÁRIO, 03.04.2002. “


[12] STF - ADI 2316: “NELSON JOBIM. Decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, que acompanhava o relator para deferir a cautelar, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente).”


[13] STJ - RESP 895.424: “1. Nos termos da MP 2.170/01, é admissível a capitalização mensal de juros quando expressamente pactuada, o que não ocorre nos autos. 2. Não é suficiente que a capitalização mensal de juros tenha sido pactuada, sendo imprescindível que tenha sido de forma expressa, clara, de modo a garantir que o contratante tenha a plena ciência dos encargos acordados; no caso, apenas as taxas de juros mensal simples e anual estão, em tese, expressas no contrato, mas não a capitalizada.”